sexta-feira, setembro 09, 2005
O futuro, a tecnologia, o design e o homem
“ A próxima onda de tecnologia trará novas oportunidades na qual muitos designers ainda não estão equipados nem preparados para lidar com ela. Com destreza, persuasão, ou ubíquas estimativas e novas tecnologias, objectos inteligentes interagirão entre eles (e connosco), dos quais ocorrerão trocas físicas em reposta às nossas necessidades, ao nosso tempo ou ao nosso temperamento.”
Michael McCoy, “From static plastic to dynamic fluid”
“ Uma das possibilidades é que o design deve ser colmatado com a intervenção do utilizador. Ou seja, deve envolver o poder interpretativo do utilizador no desenvolvimento objectual, para que surge um verdadeiro sentido. Isto significa que o design não será perfeito ou completo até que o utilizador interage com ele. O design deve sair do seu meio projectual para melhor ser interpretado pelos utilizadores.”
Michael McCoy, “Random or sketchy”
Introdução
A partir dos artigos “From static plastic to dynamic fluid” e “Random or sketchy” do designer norte-americano Michael McCoy, foi redigido este artigo como forma de fomentar e desenvolver novas reflexões em volta das metodologias do design, procurando com que cada designer seja um contribuidor no direccionamento do mesmo.
Não nos limitemos a ouvir, a ler, a ver o que quer que seja sem que do nosso lado exista uma critica que origine uma reflexão clara e própria, sobre quais devem ser os caminhos que devamos escolher para melhor atingir e cumprir com os nossos objectivos profissionais e éticos em relação ao design. Questionar o que se faz, o que se pensa, o que se produz e quem se influência é algo que nos ajuda a estruturar possibilidades nas mais variadas vertentes para que se possam definir percursos possíveis e alternativos (plano A, plano B, plano C, etc.).
Face a uma crescente utilização demagógica dos princípios do design por parte de certos profissionais (da área e não só), torna-se necessário pensar em novas estratégias acerca da aplicabilidade e sentido do mesmo. A forma de melhorar a condição humana num contexto cada vez mais evoluído em termos de tecnologias, mas mais fragmentado e empobrecido em termos de regramento moral, repartição de oportunidades e igualdade económico-social, está intrinsecamente ligada aos princípios éticos do design. A reorientação dos mesmos para uma forma mais eficaz e sustentável deve ser equacionada, sendo este um dos sinais do nosso tempo. O conteúdo deste artigo pretende apelar a uma (ante)visão dos desafios que nos esperam, contribuindo para que surjam em cada um de nós reflexões que enalteçam e ampliem os verdadeiros sentidos e propósitos do design, para desfragmentar a efemeridade e o caótico que regem o nosso tempo.
O Futuro e a tecnologia
O amanhã é algo que ansiamos. É algo que nos inspira, que nos faz vibrar. É algo que nós imaginamos e projectamos. É algo que nos dá esperança e força. É algo que nós prevemos mas não conseguimos antever. É algo que deve ser pensado e repensado para que este seja bem preparado e sucedido. É algo que exige uma experiência valorizada para que o caos não possa ocorrer.
Praticamente todos os designers são concordantes com a ideia que o principal objectivo do design é o de tornar a vida das pessoas melhor. A prática do design deve responder – o que parece ser um ponto de acordo – as necessidades técnicas, funcionais e culturais, propondo soluções inovadoras que comuniquem significado e emoção, que transcendam idealmente as suas formas, estrutura e fabrico.
A crescente disponibilidade de novos materiais e de novas tecnologias é largamente entendida como sendo uma força motriz de surgimento de novos produtos e de novas soluções. No entanto, os novos materiais e novas tecnologias, apesar de atraentes, devem ser equacionados quanto a sua aplicabilidade e desempenho. Muitos deles poderão não ser os mais adequados, já que poderão não resistir ao tempo e/ou a usabilidade, tal como sugere M. McCoy.
As tecnologias nano e comunicacionais estão com toda a sua força a iludir um futuro promissor, inteligente e simples. Existe uma clara evidência que se pretende desenvolver produtos simples, de uso intuitivo, que interajam entre si e com o homem. Fala-se inclusivamente em “desmaterialização”. Mas, será conveniente reduzirmos o pensamento da interacção do objecto ao mínimo dos pensamentos da usabilidade? O comodismo, o facilitismo ou o intuísmo da utilização não poderá influenciar o desleixo de uma reflexão acerca da existência ou eficácia do objecto?
A influência psicológica derivativa de um design que traça o futuro é algo de controversa nesse aspecto. Muitos designers, investigadores e engenheiros, estão demasiado absorvidos pelo entusiasmo proposto pela tecnologia. Em contra ponto, outros estão mais apreensivos e reticentes quanto a sua aplicabilidade. Existem até alguns que se propõem a rejeitá-la, embora (in)conscientes que esta seja necessária para produzirem os produtos que projectem. De facto, a onda de tecnologia traz novas oportunidades, mas também novas ambiguidades. É imprescindível que surjam discussões e reflexões em torno da sua utilidade, da sua aplicabilidade, da sua influência, dos seus efeitos e das suas causas. Não a subestimemos ou sobvalorizemos. Encaremos a tecnologia como factor neutro, e equacionemo-la antes como uma forma prática de resolver problemas ou melhorar prestações do nosso quotidiano.
M. McCoy diz que é necessário destreza, capacidade interpretativa, racionalidade efectiva, preocupação social e ética, para que as novas tecnologias aliadas ao design possam propor objectos inteligentes, resultando trocas físicas e psíquicas em resposta às nossas necessidades, ao nosso tempo, ao nosso temperamento. No entanto, o mais preocupante não é a interacção física do objecto. É antes a interacção psíquica e a influência no carácter individual e colectivo que a tecnologia e o seu aspecto podem assumir. A tecnologia necessita ser devidamente interpretada e utilizada antes e depois de aplicada. Não no sentido de desempenho funcional enquanto tecnologia, mas sim no sentido emocional e operativo de interacção com o individuo, com o colectivo. É necessário averiguar a operatividade do e com o indivíduo, bem como, avaliar se realmente é a mais adequada para o fim a que se propõe e pretende.
Alberto Meda diz que, «a tecnologia deve ser domesticada para realizar coisas que têm a relação mais simples com o homem – temos que rejeitar os produtos da tecnologia industrial que não se preocupem com as necessidades humanas e não possuam racionalidade comunicativa». O objecto tecnológico não pode subverter e desviar o carácter comportamental do indivíduo para o nefasto. Mas o que se poderá entender por nefasto? Uma acção de utilização reduzida a uma usabilidade de irracionalidade intuitiva. Isto é, um acto de uso cuja prática e eficiência do objecto não produza uma reflexão, onde exista uma ausência de (ir)responsabilidade de uso e dos seus efeitos por parte do utilizador.
Para além da usabilidade do objecto existe outro factor que pode subverter a psicose do indivíduo. Trata-se do carácter físico que o objecto pode adquirir ou assumir. M. McCoy parece reverter para o surgimento de objectos mutáveis, com uma orgânica e vida (quase) biológica. O objecto composto por materiais sintetizados, cuja textura, alteração física e função se possa assemelhar a algo vivo, algo orgânico. Algo que crie uma afinidade resultante de uma interacção intima entre objecto/individuo, cujas propriedades dos materiais contribuam para que ocorra uma perduração temporal, cuja operatividade do objecto assume comportamentos que nos são conhecidos, que nos são desejáveis, que nos são íntimos. Certamente, hoje, isto é quase se não mesmo já possível de se efectuar.
Mas, a problemática não se resume aqui a capacidade em fazer surgir o objecto. Continua presente o problema psíquico e comportamental quanto a afinidade, ao valor e importância que o utilizador pode ou deve atribuir ao objecto pelo seu aspecto físico e/ou eficácia operativa. Assim, antes de se propor um objecto, uma solução, deve-se viver e interpretar as rotinas, os rituais, as cerimónias da vida quotidiana das pessoas. Os designers e responsáveis pelo surgimento de objectos, devem atentamente observar os comportamentos individuais e colectivos, o fim pretendido, o meio utilizado, a forma como é utilizado, o pragmatismo empregue, a eficácia obtida, a satisfação sentida, as causas sofridas. Ou seja, avaliar o empenho, a performance operativa da interacção entre o homem/objecto/meio, bem como, a resistência, a textura e possibilidade do meio, enquanto elemento tecnológico de desempenho operativo, funcional e emocional.
Não parece ser necessário (pelo menos no imediato) desenvolver novas ferramentas para se projectar uma tecnologia de dinâmica física interactiva. É antes necessário reinterpretar as ferramentas de que dispomos. Melhorar o que temos, podendo resultar a projecção de uma tecnologia de dinâmica física interactiva mais bem aplicada. Com isto questiona-se, dever-se-á por exemplo, continuar a projectar mais telemóveis com mais funções quando as existentes não são na íntegra bem utilizadas ou interpretadas? Não era afinal aqueles objectos cheios de botões (que de nada serviam) que nos chateavam? Comecemos antes de projectar, por interpretar a história, a rotina ou o ritual que as pessoas vivem no quotidiano. Isto é, rever as narrativas dentro das quais os objectos são protagonistas e têm um papel nesse mesmo quotidiano. Rever onde falha a interacção operativa com a tecnologia. Vislumbrar as lacunas da interacção para que possam ser redefinida de modo a produzir novos modos de interacção e interpretação da e com a tecnologia. Em vez de pensarmos apenas numa solução estática e de nos restringir a uma ideia fixa, equacionemos antes várias soluções para um problema (plano A, plano B, plano C, etc.). Sejamos capazes de corrigir o objecto ou uma interacção falhada. De repor a interpretação e a interacção no caminho para o qual o mesmo foi proposto.
As tecnologias podem e devem sugerir novos e mais componentes inteligentes e competentes. Podem e devem formular o não existente. Podem e devem criar diferentes tipos de caracterização cujos grupos de objectos podem comunicar e interagir entre eles e nós próprios. Mas, a selecção de qual a tecnologia mais adequada para uma função, deve resultar de uma escolha multidisciplinar assente em novos propósitos e novas metodologias. Não devemos nos resumir ao fascínio da escolha arbitrária de qual a tecnologia que nos parece mais conveniente para um fim específico ou até mesmo suposto. Certifiquemo-nos antes se o fim proposto é necessário, desejável e sustentável em termos, humanos, culturais, éticos, económicos e ecológicos. Não pretendamos apenas alcançar a ilusão ou o fascínio mágico de um objecto tecnológico. É tempo de facto, como relata M. McCoy, de pensarmos acerca da figura que gera o relacionamento e que pode fazer as escolhas certas acerca do que a visão pode e deve projectar. Saibamos estabelecer os limites, não os impondo, mas definindo-os com a colaboração de quem e de que forma utilizam os objectos que projectamos.
O design e o homem
O design pode surgir de uma forma pensada e racional que propõe resolver um problema cuja solução não exista. Pode derivar de uma análise crítica que pretende melhorar o desempenho de um objecto existente. Ou, como diz M. McCoy, pode surgir de uma ocorrência ocasional que se averigua eficaz para resolver certa(s) problemática(s) – o acaso – como pode também, resultar de pensamentos simplesmente caóticos ou mal definidos – o aleatório – onde dificilmente existem possibilidades criativas, sendo que nenhuma é habilitada ou empobrecida.
Geralmente os designers e sobretudo aqueles que assumem a sua função, seguem estratégias das quais resultam muitas das vezes um design rígido, em que a solução é intolerante na possibilidade de alterar o modo de utilização ou (re)interpretação do objecto. A rigidez resulta geralmente de profissionais que utilizam e pactuam com a sua própria ingenuidade ou irresponsabilidade, e que subvertem ou modificam de uma forma irrelevante a estrutura existente do objecto.
Neste contexto onde prolifera o efémero, é importante que se definem novas estratégias de design. Estratégias que abraçam e levantam o caos estabelecido, que orientam a mudança assente em alicerces fortes, coesos e coerentes. O design não deve de todo ser subestimado. Ele abrange uma vasta e diversa gama de funções, técnicas, atitudes, ideias e valores, que influenciam directamente às nossas experiências quotidianas.
Devem surgir soluções inovadoras que comuniquem significado e emoção, aliando conceitos culturais e tecnologia. Hoje o problema não é o de produzir. A questão fundamental rege-se a quais os produtos que devem de facto existirem. É necessário e urgente que a estrutura da sociedade sofra uma profunda remodelação sócio-cultural que envolva todos (designers, produtores mas essencialmente os utilizadores). O designer deve voltar-se cada vez mais para o lado humano do design. Ou seja, como diz-nos Ph. Starck “preocupar-se menos com o conceito de beleza (conceito cultural) e mais com conceito humano”. Esta mudança deve romper com o sistema rígido de projecção e deve assentar numa nova metodologia orientativa do design. Deve procurar tirar mais vantagens num curto espaço de tempo, com menor dispêndio e maior eficácia, nem que estas sejam parciais (teoria de Kaizen).
O design deve recorrer a uma metodologia estrutural, elaborada, eficaz, educacional, eficiente e sustentável, que sirva de sistema orientativo e operativo. Deve ser capaz de reinterpretar as ferramentas existentes para se inscrever. Deve viver e reinterpretar o quotidiano das pessoas. Deve conjugar harmoniosamente as respostas, os meios, a tecnologia e os fins que se pretende alcançar. Deve sair do meio rígido da projecção e ir ao encontro das rotinas, dos rituais e das cerimónias do dia-a-dia das pessoas. Deve interagir com esse quotidiano e desenvolver uma interacção bidireccionada – utilizador/designer e designer/utilizador. Isto é, desenvolver em paralelo uma integração do utilizador no processo criativo, assim como, integrar o designer enquanto observador do processo de utilização quotidiana do objecto por parte do utilizador.
Deve transpor o discurso científico e especializado utilizado no pólo técnico, para o conhecimento geral fazendo recurso de uma linguagem simples e prática que privilegie a comunicação entre ambos (designer/utilizador) simplificando a explicação dos conceitos úteis às referidas práticas quotidianas. Isto é, deve dar a conhecer os novos conceitos através de uma linguagem que empregue termos «vulgarizados», de modo a ser facilmente disseminada na cultura popular, assumindo um papel de carácter educacional, um papel de «cultura geral».
Deve estabelecer vias paralelas de desenvolvimento projectual – o das projecções a curto prazo e o das projecções a médio/longo prazo. Com isto o design deve derivar de equipas pluridisciplinares e neutras, em que umas operam na via do resultado imediato e de menor investimento (a via parcial), enquanto que a outra opera na via de um desenvolvimento mais elaborado, propondo um produto mais completo, prático e sustentável (a via complementar). O design deve desenvolver-se nessa estreita cooperação de equipas, onde a troca de informação e de experiência entre equipas produz uma experiência valida, um desenvolvimento gradual assente numa coerência projectual definida pela observação, participação e registo da experiência in loco do utilizador.
O design deve assim surgir dum método cuja racionalidade empregue seja mais visível e perceptível. Ou seja, que inclua e divulgue de forma clara e objectiva as experiências e participações efectuadas por todos (incluindo sobretudo a do utilizador). Mas mesmo assim o design jamais poderá ser considerado como completo e/ou definitivo. Independentemente de se terem equacionado todas as possibilidades num dado tempo, com uma dada tecnologia e metodologia, este deverá seguir atentamente as causas e efeitos que surjam a médio/longo prazo. Deverá equacionar os efeitos e propor novas abordagens se assim se justificar. É nesse sentido que a via complementar deve actuar. O design deverá seguir um caminho de melhoria contínua, onde a dinâmica operativa se impõe em detrimento da rígida e da estática.
Ao assumir este papel educacional e social, o design deve apelar à participação do utilizador e ajudá-lo a reflectir sobre o seu veredicto para que ocorra a inscrição no seu contexto. O uso e o tempo serão contemplados através da experiência, ou seja, a história da usabilidade ficará registada, sendo este um trunfo na divulgação do valor do design. O objecto tornar-se-á numa gravura, numa história de experiências. Transformar-se-á num objecto lógico com um propósito racional, coerente, justificado e devidamente interpretado e melhorado ao longo da sua existência.
No actual contexto, o design deve fomentar a discussão em volta de certos limites, onde alguns objectos são insustentáveis mas ainda não são completamente caóticos. Este é um campo fértil de mudança, transformação e evolução. O design deve estar apto a vislumbrar este campo e a penetrar nele de forma pragmática e objectiva. Qualquer que sejam as acções, o resultado apenas poderá surtir se forem aplicadas metodologias rigorosas, claras e objectivas. Flutuar na imprevisibilidade do acaso não é certamente o caminho do design. Derivar de estratégias mal equacionadas e reflectidas, também não o deve ser.
As técnicas de registo utilizadas pelas pessoas para registarem situações do quotidiano, como por exemplo o caso do vídeo ou fotografia etnográficos, são excelentes meios que permitem reunir informações válidas. Esta informação deve ser analisada e canalizada por equipas especializadas, de modo a que possam projectar situações que ajustam o utilizador a circunstância, bem como, ajustam a mudança a essa mesma circunstância. Um maior conhecimento acerca da situação resulta num design reagente e modificável. Por exemplo, porque que não elaborar um manual de utilização digital, contendo instruções e exemplos sobre o uso correcto e incorrecto do objecto? Por que não expor educacionalmente aos utilizadores, os possíveis danos que possam resultar de usos incorrectos? É necessário consciencializar e apelar através de exemplos práticos que sejam facilmente reconhecíveis, o uso lógico do objecto.
O design deve torna-se para o utilizador numa ferramenta que deve ser usada para melhor cumprir com os seus objectivos. O utilizador deve sentir-se útil e deve ser habilitado desse poder. O design deve centrar-se no utilizador. Deve começar pela experiência, para poder construir espaços e canais comunicacionais que reforçam o entendimento. O recurso às histórias ou narrativas da influência dos objectos no quotidiano trarão uma melhor compreensão acerca do desempenho do objecto e da sua própria existência. Se o design pretende habilitar e fortalecer o utilizador, ser algo mais do que codificar e de propor um suporte, tem que tornar então visíveis e perceptíveis as suas estratégias, isto é, as práticas validas que ajudam a melhorar a vida das pessoas. Deve ser o utilizador a dar sentido ao seu mundo, a vislumbrar quais as possibilidades de como o tornar melhor. O designer, este, deve mediar, educar e direccionar o sentido do design. Deve expor as várias possibilidades e explicá-las de forma prática e educacional. É o mediador que surge entre o objecto e o utilizador. A sua função será reconhecida e respeitada quanto melhor e verdadeira for a sua estratégia e eficácia.
Conclusão
O design é hoje um fenómeno verdadeiramente global. Por todo o mundo industrializado, fabricantes de topos os tipos reconhecem e implementam cada vez mais o design como sendo um meio essencial para chegar a um novo público internacional e adquirir vantagens competitivas. Mais do que nunca, os produtos de design dão forma a uma cultura material mundial e influenciam a qualidade do nosso ambiente e do nosso quotidiano.
Neste contexto, se o objecto for deixado a livre acção dos utilizadores, rapidamente o processo poder-se-á tornar caótico, sendo as consequências difíceis de prever dado ao curto espaço temporal da ocorrência. Se deixarmos as pessoas fazerem o que quiserem, não termos garantia que os objectos serão utilizados correctamente. Se os utilizadores continuarem a ser ignorados e a ficar a margem do processo, contribuirão para que seja cada vez mais difícil dar sentido ao design e aos seus princípios. Apesar dos designers e fabricantes conhecerem os produtos que produzem, estes não são necessariamente capazes de prever quais as reacções que os utilizadores vão ter, e se estas serão as mais correctas.
É necessário estar atento e agir. Recordemos que na nossa cultura, os utilizadores sob circunstância alguma, não aceitam não ter o controlo sobre os seus objectos, os seus bens. Saibamos observar estes comportamentos e utilizá-los em prol dos seus interesses. Saibamos incluir e permitir que as pessoas experimentem e aprendam com a sua existência. Saibamos permitir que racionalizem para se inscrever enquanto indivíduo, enquanto sociedades, pois isso é um sinónimo de evolução. Provavelmente, ter-se-á que combinar as necessidades de controlo de alguns indivíduos aos processos e objectivos que se pretendem, mas tudo irá depender do grau de sofisticação que se pretendem com as interacções do objecto. Será certamente um grande passo para que o homem se comece a sentir como um ser incluído, com um sentido de oportunidade. Muito se poderá aprender a nível humano, e isso contribuirá para que haja uma melhor interpretação da tecnologia, do design.
Não fiquemos vidrados a ideias fixas sem termos em consideração a opinião e experiência dos outros. Saibamos aproveitar e gerir as ferramentas, as tecnologias, sobretudo as de informação de que dispomos. Saibamos alicerçar princípios que valorizam o produto, mas sobretudo o indivíduo e a sua inscrição. Saibamos ouvir, ver, aprender, cooperar, respeitar e educar. Saibamos ambicionar e evoluir. Saibamos propor e aceitar o veredicto do utilizador. Saibamos ser honestos e desejar o exequível, o sustentável e mais do que tudo, saibamos projectar o nosso futuro que esse é o nosso produto.
Daniel Monteiro
Setembro 2005
Reflexões…
«(…) Os produtos do futuro combinarão aspectos funcionais e certas funções integradas. Eventualmente, o acto de experimentar produtos tornar-se-á mais importante do que as considerações funcionais ou estéticas e os designers terão de ser mais sensíveis ao diálogo entre as emoções e a tecnologia. A distribuição de produtos também se irá alterar radicalmente, onde cada objecto possuirá um pequeno chip que lhe permitirá encomendá-lo directamente. Neste cenário de futuro (…)»
Werner Aisslinger
«(…) Não há praticamente limites. Materiais inteligentes, ferramentas afiadas, produção de ficção científica, já tudo existe. Hoje. O presente é demasiado fascinante para que se pare e se pense no futuro. Se olharmos atentamente para o presente, o futuro torna-se discernível.»
Ron Arad
«No futuro, esperamos que o design nos ajude a conseguir uma “vida melhor” em vez de “melhor vendas”. Entre os anos 80 e o início dos anos 90, o design tornou-se uma ferramenta de marketing comercial. O que não é forçosamente mau, mas pensamos que o design deve agora ser usado para criar um ambiente desejável e que se deve acentuar a “individualidade” no futuro. As pessoas terão mais escolha, porque a comunicação e os transportes rápidos lhes tornarão acessíveis a uma grande variedade de designs provenientes dos quatro cantos do mundo. Nesta situação, a ligação pessoal tornar-se-á um factor mais importante do design. (…)»
Shin + Tomoko Azumi
«Não sei qual será o futuro do design mas sei qual deveria ser: acho que os objectos de uso geral deveriam sempre tornar-se parte da paisagem quotidiana do utilizador, sem transgressões. Por essa razão, o projecto de linguagem deve ser “não emergente”, perto da normalidade. Isto não quer dizer banal, mas sim orientado para um equilíbrio devido, transferindo o que tem valor na cultura para o produto, com respeito pela dignidade humana da tradição.»
Carlo Bartoli
«O design do futuro será uma mistura entre materiais de alta tecnologia e belas histórias. Depois de redesenharmos a nossa própria história do design, a fusão de diferentes aspectos do processo de design (formal, económico e ecológico) tornar-se-ão cada vez mais importantes para nós (…).»
Bibi Gutjahr
«(…)O design do futuro terá que combinar a funcionalidade com a emoção – o uso físico e psicológico de um produto – de forma inovadora e mais significativa.»
Buro fur form
«Hoje em dia, tendemos a trabalhar em células separadas, com o designer de um lado e o cliente do outro. Em vez disso, devíamos construir os nossos sistemas baseados num pensamento integrado. O designer tem de fazer parte do processo industrial, assumindo o papel catalisador de liberdade de pensamento. Como designer, obtenho muita da minha inspiração mudando de um tipo de indústria para outra. Penso que o design devia ter uma influência maior na vertente da engenharia do processo de desenvolvimento. A história mostra que os novos materiais e técnicas têm um efeito directo na evolução do design. Eu gosto de pensar que o designer do futuro passará a fazer parte de uma equipa de pesquisa que tentará alargar as suas fronteiras: encontrando caminhos para ajudar os produtos e as empresas a servir melhor as pessoas, desenvolvendo respeito ambiental, melhorando a ergonomia, adaptando os materiais existentes e ajudando a desenvolver novos. O design é sobretudo uma comunicação de ideias. Por isso, se o design propriamente dito vai evoluir, os designers terão de desempenhar um papel mais central na moldagem do contexto no qual os produtos são usados.»
Bjorn Dahlstrohm
«No futuro, acredito que o design será caracterizado pela escolha “inteligente” e pelo desjo “carnal”, onde a lealdade do consumidor em relação aos valores de estatuto sensuais e intelectuais mudarão o curso do design do estilo material para o “conteúdo ideológico. (…) O design do futuro vai ser fabuloso, fluído, furioso e divertido Será uma ferramenta de amor, um super-herói pronto para a batalha do bem e do mal. Perguntará por que é que existe e qual é o seu propósito na vida.(…)»
Jersy Seymour
Bibliografia
FIELL, Charlotte & Peter – El diseño del siglo XXI, Colonia, Taschen, 2002
Webliografia
MC COY, Michael – From static plastic to dynamic fluid, www.highgrounddesign.com
MC COY, Michael - Random or Sketchy?, www.highgrounddesign.com
terça-feira, setembro 06, 2005
Haverá design português no século XXI?
No século passado, o design foi considerado como sendo uma importante característica da cultura e do quotidiano. Neste início de século, o design é visto como uma ferramenta indispensável para se lograr numa globalização cada vez mais competitiva! A sua abrangência é vasta – inclui objectos tridimensionais, comunicações gráficas e sistemas integrados de informação, tecnologia e ambientes. Definindo-o no seu sentido mais genérico como concepção e planeamento dos produtos feitos pelo homem, o design é entendido fundamentalmente como sendo um instrumento indispensável para a melhoraria da qualidade de vida, que propõe soluções que fomentam o crescimento económico e a evolução sócio-cultural. Nos dias de hoje, são já muitas as sociedades que reconhecem o valor do design, pelo que o adoptam indiscutivelmente como forma eficaz de progressão.
Apesar de industrializado, Portugal, hoje, continua ainda sem uma cultura de design presente no seio da sua própria sociedade (pelo menos de uma forma coerente, dinâmica e continua). Salvas raras excepções, verifica-se que o design português de todo tem sido pensado para a sua própria sociedade. São vários os empreendedores que afirmam que o design português é somente para se exportar, e que o mesmo não é acessível a maioria das bolsas dos portugueses…Pois bem! A isto digo de forma provocatória e indignado, que a sociedade portuguesa e sobretudo o design português carecem de gente séria, honesta, empreendedora, perspicaz, capaz de lhe proporcionar legibilidade e de o elevar a um nível de apreço valorativo e cognitivo em termos sociais e económicos.
Mas o design português existe! Há largos anos até. Ele está é fragmentado, despojado da sua essência. Ele tem é sido utilizado de forma indiferente perante e para uma sociedade que também se mostra indiferente. É tempo do design português seguir um rumo lógico e objectivo. Um rumo coerente onde a voz o eleva a uma razão credível e duradoura. Uma voz que o valorize e que se oponha aos produtos des(d)enhados pela indiferença cultural, contrapondo-se aos muitos projectistas e fabricantes que pretendem o sucesso fácil em detrimento de um produto sustentável com características qualitativas e valorativas. O design português deve demonstrar que é uma ferramenta eficaz, prática, sustentável e dinâmica, que propõe soluções qualitativas que vão de encontro as necessidades reais das pessoas e do país. O design português deve assumir um papel educativo, capaz de incutir na sociedade portuguesa visões e percepções que abraçam o progresso.
Actualmente parece-me importante questionar se haverá finalmente design português no século XXI? Saber qual o tipo de design que poderemos vir a desenvolver, e de que forma o que poderemos vir a fazê-lo. É me importante saber o que os designers portugueses pensam acerca disso, e o que pensam fazer perante o futuro que lhes espera! Pessoalmente, acredito que o design português venha a ser reconhecido no século XXI. Eu quero acreditar nisso... Mas para tal, é necessário que ocorram mudanças. Mudanças no nosso quotidiano, nos nossos hábitos, nos nossos comportamentos, nos nossos actos, nos nossos espaços…no nosso consciente!
Este artigo pretende acima de tudo fomentar a reflexão e discussão acerca da aplicabilidade do design português no século XXI. O design português deve promover e educar a sua própria sociedade, e como tal, deve demonstrar que é uma ferramenta capaz de dar soluções evolutivas em termos culturais e sócio-económicos. Ou seja, o se pretende aqui é que se reflicta acerca de como os designers portugueses podem contribuir para que surja finalmente uma cultura de design em Portugal. Uma nova cultura, feita por portugueses, para portugueses e para o mundo.
O design é uma potente ferramenta que permite conjugar interesses sociais e económicos a princípios e valores éticos. Para que o cenário actual se inverta, o design português precisa de oportunidade, de competências, de gente perspicaz, que proponha e desenvolva soluções vocacionadas para a melhoria das condições culturais e sócio-económicas. Ou seja, o design português precisa de gente simples, eficiente e visionária.
A crise das crises
É curioso como a conjuntura económica actual que assola Portugal, leva a que as pessoas se questionem sobre um conjunto infindável de problemas relativos a sua condição sócio-económica. Mas para além do curioso, o que é preocupante é o facto de como a maioria dessas pessoas chegam a uma conclusão, e a que tipos de conclusão chegam. Se atentarmos, veremos que a grande maioria da sociedade pensa que a conjuntura se deve a razões politicas. Ou seja, a más e sucessivas reformas politicas de gestão. Certamente que o é... mas o problema é bem mais grave e vai muito para além disso!
O que Portugal hoje atravessa é uma crise cultural! Ao longo desta recente democracia, tem-se verificado uma sucessiva perda de valores, de cidadania, de civismo, de responsabilidade, de empenho, o que de certo modo confirma que existe uma perda de cultura na sociedade portuguesa. E esta falta de cultura está presente nos mais variados estratos e vertentes da nossa sociedade. Para além disso, Portugal tem demonstrado ter falta de ideias, de iniciativa, de organização, pelo que o design português deveria reflectir acerca disso.
No mundo industrializado, fabricantes de todos os tipos reconhecem e implementam cada vez mais o design como sendo um meio indispensável e essencial para chegar a um mercado cada vez mais exigente. É também visto como sendo uma ferramenta que permite adquirir vantagens competitivas para alcançar novos mercados. Num contexto cada vez mais globalizado e mais competitivo, Portugal parece continuar a ser uma excepção a este fenómeno. E ao que parece, o design português continua a temer em singrar-se e afirmar-se no seu próprio contexto, tal como, no contexto internacional. De que forma se pode contribuir para reverter isso? Haverá design português no século XXI?
Alguns exemplos
O design, ao longo da história tem revelado ser uma preciosa ferramenta em dar forma a uma cultura material que influencia a qualidade do ambiente e do quotidiano. Como tal, a importância do mesmo não deve por isso ser subestimada. Ele não só abrange uma extraordinária gama de funções, técnicas processuais, atitudes, ideias e valores que influenciam a nossa experiência e percepção do mundo que nos rodeia, como também, as escolhas que fazemos hoje sobre a futura direcção do nosso mundo, terão um efeito significativo e possivelmente duradoura sobre a qualidade das nossas vidas e do nosso ambiente nos anos futuros.
Neste contexto, Portugal revela ainda ser inexperiente e com ausência de uma cultura de design. Isto torna-se claro quando se verifica por exemplo, que o design continua desconhecido no seio da nossa sociedade, ou até mesmo, quando o termo é indevidamente utilizado para divulgar produtos que nada têm a ver com o seu verdadeiro sentido cognitivo. Se atentarmos, verificar-se-á que a palavra é utilizada vezes sem conta, não no sentido correcto dos princípios da disciplina, mas sobretudo, no sentido de usurpação da palavra como forma promocional de objectos. A ingenuidade e ignorância por parte de quem recorre ao termo para enaltecer um produto ou até mesmo um serviço, assenta para além da ignorância, na falta de análise ao conteúdo e processo que utilizam para produzir ou divulgar um produto.
Como acima se referência, o design abrange uma extraordinária gama de funções. Os seus valores e técnicas não se podem resumir à «habilidade» em se fazer uns desenhos, ou em manipular um software específico que tornam certos produtos belos perante o senso comum. A beleza é algo de extremamente subjectiva e complexa para ser confundida com design… Nesse sentido, é lamentável que Portugal procure ainda propor produtos assentes nessa ambição medíocre. Por cá, ainda se fazem demasiados produtos de forma desonesta, camuflando-se estes na terminologia da palavra. Estas práticas transmitem falsas percepções do design cognitivo e devem ser imediatamente corrigidas pelos designers! Não há razão para que se continue a pactuar com complacência e conivência a estes factos.
As soluções não são simples e fáceis de alcançar. Elas requerem sagacidade, perspicácia, cooperação, polivalência, mas sobretudo, competência. Quando reunidas as condições e se por de trás existir um bom grupo de trabalho, o passo para o sucesso é quase garantido. Faça-se uma análise crítica a nossa cultura, aos nossos princípios, aos nossos métodos, as nossas capacidades e as nossas possibilidades. Já são demasiados os países industrializados que possuem uma grande sensibilidade quanto a aplicação e recurso ao design. Não só com o propósito de criar uma cultura material vocacionada para a melhoria da qualidade do ambiente e do quotidiano, mas também e sobretudo, como método contínuo e dinâmico em propor respostas práticas e inovadoras – estratégia motriz para o crescimento sócio-económico que assenta em atitudes, ideias, valores e novas técnicas processuais resultantes do design cognitivo.
Países que nos são conhecidos, como por exemplo os Escandinavos, há décadas que o seu desenvolvimento assenta na aplicabilidade do design. A Itália, a Alemanha, a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Holanda, também há décadas que vislumbram as vantagens e potencialidades do design. Todo o processo de (re)construção e crescimento destes países tem estado intrinsecamente dependente do recurso e aplicabilidade do design. Se atentarmos, veremos que as sociedades destes países já discutem o design conceptual. Por cá nem sequer somos capazes de discutir o design convencional. Como é que ainda não se reparou nisso? De que se está a espera para alterar isso?
É frequente ver-se por cá eventos de design que recaem num elitismo egocêntrico, num ciclo fechado e sem sentido, sendo estes produzidos «de eles para eles». Embora acessível ao público em geral, o mesmo acaba por rejeitar as “coisas bizarras” e sem sentido que lhe é apresentado. Estes eventos completamente distorcidos, desacreditam o verdadeiro sentido do design. Repare-se que o escasso público nacional que demonstra ter uma certa sensibilidade ao design, é lamentavelmente mal tratado nestes eventos! Não tem sequer a possibilidade de estabelecer e percepcionar um verdadeiro contacto com o design. Não consegue entender qual o processo e a finalidade a que o design se propõe. Como é que o público o poderá entender? Porque se faz isso? Com que propósito? O design não deveria ser para todos e chegar a todos de forma clara e coerente?
É necessário que haja uma coerência lógica existencial do design, e que esta seja perceptível por todos. A linguagem e o conceito devem chegar a todos. Face a flexibilidade e capacidade industrial que Portugal possuiu, muito pouco se tem feito para que ocorra o inverso. Se atentarmos ver-se-á que os recursos, o conhecimento e meios não têm sido devidamente canalizados e mobilizados nesse sentido. É certo que falamos de factores que por vezes não são directamente geridos pelo design, mas este tem definitivamente uma palavra a dizer acerca disso.
O design português tem um papel fundamental (pelo menos deveria) para reverter essa situação. Ele deve adoptar novas estratégias que incluam e mobilizam todos os intervenientes no processo. Deve procurar minimizar custos e tempos de exequibilidade (factores importantes de competitividade), dando a compreender esses mesmos processos de rentabilização, interagindo com a produção, distribuição, utilização e reciclagem do produto. Ou seja, deve fomentar uma troca de conhecimentos para que ocorra o entendimento e a percepção da lógica da existência do design.
O design português não se deve cingir a ideias abstractas, cuja argumentação técnica nada traduz em termos práticos e perceptíveis. Deve fomentar visões, estratégias, atitudes e organização que não são habituais a nossa sociedade. Repare-se por exemplo, no fenómeno Ikea. As pessoas invadem as lojas. Quase as saqueiam. Para além das sugestões estéticas e funcionais dos produtos (perceptíveis através de uma circuito pré-definido pela loja), existe uma eficaz gestão da informação acercas dos materiais, exigências e condições de fabrico, reciclagem da embalagem e do produto. Alguns produtos são inclusivamente testados frente ao público na área comercial. Estas atitudes diferenciativas valorizam o produto e dão-lhe um sentido existencial perceptível.
Deixemos para trás a preocupação em se propor produtos que enalteçam o status quo das elites e que favoreçam apenas alguns. Haja espaço a novas ideias que teimam em sair do papel, ou até mesmo da mente. Abandone-se o medo de se abraçar o inexistente e o novo. Abraça-se a responsabilidade, o desafio, o risco. O design português precisa ser mais eficiente. Ele tem que ser mais persuasivo no seu próprio contexto. Ele deve contribuir para que as empresas e a sociedade abandonem abordagens estereotipadas e gastas. Deve romper com a ideia que o design é apenas para uma classe média alta, classe alta! Portugal estará assim tão endinheirado? Desde quando?
O adormecimento nacional em termos de atitudes, ideias, valores e acções foi e continua a ser de tal modo, que Portugal se vê hoje numa situação em que o abismo entre inovação e crescimento económico é imenso face a outros países industrializados. É necessário revitalizar a sociedade. Incutir-lhe uma cultura de conhecimento, de interesse, de motivação, de valorização.
Nos últimos anos (com agravamento no ano em curso) tem-se verificado um acréscimo no fecho de empresas nacionais. Fabricantes de produtos de qualidade fecham dado a falta de capacidade em renovar e inovar os seus produtos e/ou estratégias de mercado. Um exemplo pragmático é o caso da empresa de motorizadas Casal. Esta empresa bem estruturada e equipada, tinha capacidade para produzir todos os componentes que necessitava para os seus modelos. Apesar de especializada, esta empresa paradoxalmente foi incapaz de renovar os seus modelos de motorizadas, pelo que nos anos 90, quando as scooters se transformaram numa moda e invadiram o mercado nacional, o fecho da fábrica foi inevitável face a dificuldade em escoar os seus produtos obsoletos.
A Casal poder-se-á dizer que foi e continua a ser, o retrato actual de muitas empresas nacionais. Felizmente que existem excepções e muitas têm estrategicamente adoptado o design, como uma ferramenta crucial e indispensável para singrar e competir. Não obstante, existem ainda casos de empresas que optam por plagiar ou fazer umas estilizações «manhosas» – estratégia muito frequente por exemplo na capital do móvel. Estas empresas estão condenadas… Actualmente muitas encontram-se com sérias dificuldades, estando prestes a fechar, o que é imperdoável face ao potencial qualitativo e produtivo que possuem.
Infelizmente, a grande maioria dos produtos portugueses continuam a não ser objecto de referência como uma boa forma e/ou metodologia resultante da prática do design. O design português continua ainda desacreditado e subvalorizado no contexto nacional e internacional. É tempo dos designers portugueses se oporem aos «espertalhões» que se querem passar-se por profissionais da área, quando a sua formação não o é. O design português deve organizar-se e estruturar-se para impor confiança e respeito junto dos fabricantes e consumidores nacionais e internacionais. O design português deve demonstrar as suas competências e potencialidades.
As possibilidades
Portugal tem imenso potencial, e o design português deve ser capaz de o interpretar e compreender. Antes de mais, seria importante averiguar as necessidades da nossa indústria, tais como, as da nossa sociedade. Vislumbrar as suas lacunas e a que nível resulta a aplicabilidade do design nesse contexto, parece ser um óptimo ponto de partida. De notar, que seja qual for a variante de design, ele está intrinsecamente ligado a industria e a interesses económicos. É um dever entender quais são esses interesses, para que se possam definir estratégias que sejam compatíveis e possíveis de conjugar com os princípios éticos do design. É necessário responder eficazmente a essas necessidades, para que surja uma cultura de design na sociedade portuguesa neste novo século.
O design em Portugal deve ser percepcionado como uma profissão respeitável, praticável e sustentável. Uma boa aplicabilidade do design irá certamente fomentar o crescimento sócio-económico e cultural. Mas par tal é necessário alterarem-se atitudes e revelarem-se as competências. E quanto mais rápido isso ocorrer, mais rápida será a (re)construção. É tempo de se passar a uma colaboração/cooperação estreita, para que surjam propostas e acções concretas que tenham como alicerces, a visão, a confiança, a criatividade, a inovação e a ambição de crescer. Haja vontade de se projectar e produzir uma identidade qualitativa que vinga e que se vincula no seu próprio contexto.
A articulação, a colaboração e o respeito mútuo entre designers/produtores/consumidores deve ser vinculada. É preciso quebrarem-se barreiras e abandonar o status quo que destaca o egocentrismo individual. É preciso acabar com os exercícios de elitismo aparente. É tempo de se passar a uma acção mais dinâmica e contínua. A uma visão mais alargada onde a exequibilidade de projectos de médio/longo é fomentada pela critica cognitiva. Abandone-se o pensamento rígido e estático em detrimento de um pensamento polivalente, multidisciplinar e flexível. Executem-se soluções conjuntas assentes na permuta de informação, conhecimento e experiências. Aproveitem-se os canais de comunicação para se difundir essas experiências, esse conhecimento. É tempo de se alargar a discussão pública em espaços adequados, mesmo que virtuais. Os blogs por exemplo, são óptimos espaços (virtuais) para que haja exposição, reflexão e discussão de ideias, valores, conhecimento... Saibamos vislumbrar as potencialidades dos espaços (virtuais), participando e contribuído sem amedrontamento.
Este é um dos caminhos para o desenvolvimento, e esse dinamismo falta a Portugal. Essa dinâmica deve ser aplicada, fomentada e divulgada. Os pólos técnico-científicos que vão de encontro às empresas, com a sociedade em geral. Que exponham o que fazem e que proponham práticas efectivas. Que revelem as experiências exequíveis em termos produtivos, humanos e culturais. É tempo de se adquirir competências pluridisciplinares, que sejam coerentes e divulgadas em espaços de transmissão horizontal e vertical.
Os canais de comunicação devem filtrar e fornecer a informação às diversas camadas sociais. O conhecimento especializado deve ser traduzido para termos simples, para que seja facilmente perceptíveis e assimilada na «cultura geral» popular. Os trabalhos académicos e profissionais devem chegar a opinião pública sob a forma de conhecimento geral. É necessário que o conteúdo, a razão e sentido desse conhecimento seja acessível a todos. O eco das propostas deve sair dos círculos especializados para chegar ao homem comum. Os círculos fechados devem dar lugar a espaços abertos, ou seja, espaços culturais.
É imprescindível compreender o meio envolvente, quais são as dificuldades e facilidades que existem, quais as vantagens e desvantagens que podem surgir. É necessário delinear-se as compatibilidades, compromissos e objectivos que se pode ter em relação aos princípios do design. Aplicar de uma forma equitativa e consensual todas as práticas que o design obriga, não permite esquecer os seus princípios básicos – dar respostas práticas e funcionais que respondem às necessidades reais, humanas, de forma sustentável. Essas respostas devem ter atitudes, ideias e valores que assentam em compromissos de inegável interesse económico, pois a nossa qualidade e melhoria de condição de vida está intrinsecamente ligada a esses mesmos interesses.
O design em Portugal deve ser entendido como uma estratégia de desenvolvimento sócio-económico e cultural, sendo necessário criar-se uma linguagem acessível e devidamente contextualizada. O design deve ter um princípio lógico, coerente, adaptadas as condições e constrangimentos. Deve crescer através do desenvolvimento de práticas próprias e sustentáveis. Portugal é um campo extremamente fértil. A ausência de uma cultura de design reforça essa ideia. O que existe está muito fragmentado, logo isto torna-o irreconhecível. Existem boas condições para que o design português se desenvolva. A crise cultural joga a seu favor. O design português que se proponha de forma honesta, credível e sustentável, dando o seu contributo para que ocorra o crescimento cultural. Que o faça através da apresentação de soluções educativas e persuasivas que rompam com as ideias estereotipadas. Que seja perspicaz, persuasivo e fonte de cognição.
As empresas portuguesas revelam ser flexíveis, hábeis, com capacidade e facilidade de contornar problemas pontuais, o que é uma mais valia para a aplicabilidade do design. O conhecimento disponível, o empenho dos operários, bem como, a acreditação dos empresários deve ser direccionada nesse sentido. É com este cenário e com estas dificuldades que o design português deve desenvolver-se e demonstrar o seu potencial. É com tudo isto que ele se deve pronunciar e fazer perpetuar.
Muito se tem falado de inovação. Mas onde está ela? Quem a divulga? Onde se pode adquiri-la? A que preço e esforço? Todos estão desejosos por vislumbrar a «inovação». Pois o design é fonte de inovação. Aplicar design é inovar. Compreender o design é inovar. O design sugere conceitos inovadores que merecem ser desenvolvidos, obrigando por vezes a que se desenvolvam também novas técnicas, novos meios para que surjam novos produtos. O «atrevimento» do design consegue mover e conjugar o conhecimento em prol dos interesses culturais e sociais. Ele fomenta a pesquisa, o estudo, a produção, a experiência, a valorização humana. O que espera o design português? Ele que se mostre! Que se afirme finalmente neste século XXI!
Daniel Monteiro
Setembro de 2005
http:blogenxame.blogspot.com / blogenxame@hotmail.com
segunda-feira, setembro 05, 2005
A Digitalidade
Reflexão construída sobre os textos
From static plastic to dynamic fluid e
Random or sketchy?
de Mike McCoy
Introdução
As novas tecnologias, as novas tecnologias… o novo mundo, a realidade virtual… e as pessoas que se contaminam deste novo mundo, mas que não se conseguem subtrair, pois claro, da sua filogenia. Está disponível uma nova forma de existência. No processo “natural” de evolução não se vislumbram alternativas. Não é possível evitarmos a digitalidade ou, se preferirem, a idade do digital. Esta nova dimensão promove a multiplicidade de contextos que suporta uma parte cada vez mais relevante da existência dos indivíduos. Os exemplos são óbvios: a WEB, as novas formas de (tele)comunicar, as novas ferramentas… Se atentarmos, por exemplo, nos acontecimentos registados a uma pessoa e dia normais, verificamos que quase todas as situações e tarefas estão embriagadas de processos associados à digitalidade. A globalização é o resultado mais imediato. Enquadrando esta actualidade no “design” podemos discursar algumas cogitações.
Digitalidade, corpo e emoções
Efectivamente assumimo-nos parte integrante da digitalidade; reclamamos até a existência em “meio digital”. Aí, sem qualquer pudor, mergulhamos também o corpo disponibilizando-o ao meio. Não o fazemos de ânimo leve; fazemo-lo porque não nos conseguimos despojar dele. Será o corpo o parente pobre do ser? É de certeza o mediador…
Não tendo o corpo evoluído neste meio e evoluindo o meio a velocidades que jamais permitirão ao corpo adaptabilidade “natural”, há que conquistar o conforto essencial para que a co-existência de ambos e as suas múltiplas relações subsistam. Esta conquista revela-se não só no corpo mas através dele (não fosse ele o mediador, a última interface). Uma das variáveis da equação que veicula esta aquisição de conforto é, sem dúvida, a dimensão emocional dos objectos. O que M. McCoy sugere é precisamente isso. Num estado em que o meio se define demasiado racional, frio; em que o ser é impregnado de desconfianças, a proposta é a de aumentarmos o carácter emocional dos nossos projectos. Mais do que uma possibilidade será uma necessidade potenciarmos as relações emocionais entre o ser e o objecto. Depois do domínio mecânico e técnico, lançamo-nos na conquista do emotivo. Apostamos em projectar possíveis soluções às necessidades ou exigências emocionais dos utilizadores considerados.
Concluindo (sem no entanto encerrar)
Uma estratégia possível é o aperfeiçoamento das interfaces. Tentar encurtar as distâncias, físicas e emocionais, entre objecto e ser. Neste caso, parece-me inevitável, atractivo até, intervir no corpo; potenciá-lo enquanto médium da relação, metamorfoseá-lo, explorá-lo… Intervindo no corpo minimizamos a necessidade de intervir nos objectos ou pelo menos, de repetir essa intervenção noutros objectos. Pese embora a dificuldade, explicável, de transbordarmos os limites do nosso corpo (do corpo biológico e emocional). Será imperativo algures durante este processo (deverá ser já) reclamar, reivindicar capacidades críticas e cognitivas do ser. É essencial que o projecto cumpra com estas necessidades, assim como através delas proceda à educação social dos públicos, exaltando a responsabilidade intrínseca do designer.
De qualquer forma, este percurso, embora iniciado, está longe ser percorrido. As ferramentas digitais ainda não substituíram as tradicionais. Para quando a excomungação dos lápis e do papel? Ainda assim, se um dia isso suceder (um dia sucederá!), será bom percebermos que nada se perdeu. Simplesmente evoluiremos a ferramenta. Mau seria perdermos o verbo ou delegá-lo…
José Fernando Pinto
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